CARTA A UM AMIGO ESPIRITUAL
(sobre a morte de meu cãozinho Bandit)
Sentada aqui, sob este sol tão quente que me arrepia a pele e este azul tão violentamente azul – que chega a doer nos olhos -, sentindo a brisa da manhã balançando o mato, trazendo o aroma pugente dos jasmins que eu mesma plantei - esta brisa que espalha no ar o som maravilhoso de mil pássaros simpáticos; ouvindo esse silencio ao redor - "este estranho silêncio que brota verde da terra" -, amando esta água tão cheia de plasticidade, de magia e beleza – este elemento que me atrai, me chama, me encanta demais, e a quem meu corpo sempre agradece quando com ele faz algum contato - quer nos banhos diários, na piscina, chuva, mar ou cachoeira.
Sentada aqui sozinha, fecho os olhos e fico meditando como é possível nossa vida mudar tão radicalmente em tão pouco tempo e em como o ser humano se adapta a qualquer situação, não concorda? Se a mudança é boa, nós esquecemos, com o tempo, de agradecer. Se ela é má, nos queixamos diariamente contra as divindades. É, estes somos nós, os humanos encarnados neste lindo planeta.
A saudade de nossos papos filosóficos, nosso carinho, sua atenção quando havia algum tempo para nós, faz parte de minhas reclamações. Tu bem podias amenizar este vazio me escrevendo mais, algumas linhas mais, pois sei que podes fazê-lo perfeitamente, e pedir para alguém enviar-me. Puxa, isto ia ser muito confortador.
Conte-me o que andas fazendo, se tem tido alegrias ou se está abismado com o que vem ocorrendo no mundo, mesmo sendo um espírito bem preparado. Se ainda confia na bondade inata do ser humano ou já está meio cético como eu?
Ainda consegue, mesmo de longe, ‘sentir’ minha tristeza, minha dor? Essa dor que dói, dói, mesmo que seja por um animalzinho? Será que ouviu, ai da sua morada nirvânica, o grito do meu coração e a enorme dor que senti por haverem me tirado meu amado cãozinho, de forma tão brutal? Que bondoso ser humano poderia ter feito isto, Paizinho? Ah, eu jamais vou me conformar. Ficou um vazio, um hiato, como um minuto de silêncio! E eu chorei dias e dias de raiva, de frustração, de indignação, e ainda choro de saudades.
A Humanidade, muitas vezes, me dá nojo! E medo. Algumas pessoas me dizem que era só um cãozinho bobo, que posso substituir por outro melhor, e que sou muito passional. E eu tenho pena delas, pois me parecem frívolas - de plástico! Só gostam de risos tolos e alegrias superficiais; não possuem sentimentos profundos, duradouros. Se não sofrem com emoções fortes, também não conhecem o que a vida nos dá de melhor: o Amor! Tudo para estas pessoas é descartável.
Penso que cada amor é um Amor, não se pode substituí-lo. Podemos, sim, amar de novo, mas é um outro Amor e, para mim, qualquer objeto de minha ternura tem seu espaço na memória e no coração.
Talvez eu seja excessiva nos meus sentimentos, mas é assim que sou, e assim que entendo a vida. Se corro o risco de me machucar, também sei que o Amor valeu, mesmo se foi dedicado a um cãozinho ruivo como uma raposa dourada, que enchia minhas manhãs com sua alegria. Ele também compartilhava minhas tristezas. ERA UM AMIGO! E quantos Amigos temos nós todos, hoje em dia?
Acho que preciso do seu carinho, da sua serenidade, do seu consolo, Amigo querido. Mande-me, de alguma forma, sua benção e seu amor, sim? Estou meio esvaziada espiritualmente, um pouco cética, machucada; e tenho visto tanta safadeza em nome de Deus, tanta discórdia em nome de Jesus; tantos falsos profetas e supostas guerras santas; tantos mitos caindo; tantas máscaras despencando, que nem sei como reencontrar a confiança na humanidade e na religião. Não sei como equilibrar-me novamente no “Caminho do Meio”, na linha da harmonia. Uma vez que perdemos um pouco mais de nossa fé, já por si mesma vacilante, fica difícil você recomeçar de onde parou.
Posso te dizer isto, pois você é meu Mentor, Meu Guia, meu Protetor, desde que te conheci em 1978, e não há necessidade, quero crer, de não te contar minhas verdades. De outro modo, sem poder abrir meu coração, para que serviria um orientador, um professor de bem-viver, um médico de almas, um guia? Sei que devo percorrer, eu mesma, o caminho de volta, mas não encontro o “Fio de Ariadne” para sair deste labirinto em que me coloquei.
Quanto mais eu sei, e você sabe que leio muito, estudo muito, procuro muito – mais difícil se torna simplesmente “Acreditar”. Quisera ter uma fé simples (não simplória) e não viver esta eterna busca, sem pouso, nem porto seguro. A lei da vida nos manda evoluir, mudar de estágio, estudar, ultrapassar nossos limites, questionar, analisar, mas esquece-se que o conhecimento traz a dor e a dúvida.
Esta inquietação do espírito, esta ânsia da alma, esta necessidade da mente para saber, acabam por machucar este coração, que só quer aceitar e amar. Você me entende, Amigo? A contradição existe e é difícil lidar com ela. Será que me expliquei direito? Pareço confusa? Talvez esteja mesmo confusa, sempre fui meio complicadinha, não era o que me dizias sempre, com todo teu carinho? Os neurônios vão queimar, eu sei. Mas vou sobreviver...rs.
De resto, aqui todos vão bem. Adaptados. Faço meu Evangelho no Lar porque acho meu dever, nem tanto por prazer. Não desejo voltar a São Paulo, mas lamento não poder estar mais com vocês.
Penso na Umbanda como uma religião e não vejo futuro para ela. Lamento. Ela vai acabar. Depois te escreverei mais sobre isto.
Recebe um abraço muito fraterno, cheio de meu amor e de minha admiração. Cheio de minha saudade.
E desculpe minha tristeza.
Um dia ela passa – como um dia de chuva.
Escreva-me e ficarei melhor.
Beijos Silvia Regina – 6/3/1997
SILVIA REGINA COSTA LIMA
Enviado por SILVIA REGINA COSTA LIMA em 02/01/2008
Alterado em 10/02/2008