SILVIA REGINA LIMA
Escrevo e me transporto para dentro daquilo que escrevi.
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Textos


"A AJUDA"

(conto n.2)

Algo a alertava que iria errar de novo, aflita ela pensava. Mas o que poderia fazer naquela situação? Seus pensamentos eram antagônicos e a levavam de roldão num louco redomoinho. Queria muito ajudar, mesmo sabendo que poderia se envolver e ficar refém numa história esquisita, que não lhe pertencia.

Seu amigo era diferente.
Eles se amavam fraternalmente. Tinham ideais parecidos, ambos sobreviventes dos anos 70, mas ele vivia com mais liberdade, meio inconsequentemente, sempre meio duplo - um lado ameno, outro difícil. Isso os diferenciava e o levara por atalhos que ela não desejava trilhar. Nunca experimentara o lado mais obscuro da vida, nem os chás alucinógenos que ele apreciava, vez em quando, ou os cigarros de maconha que usava para relaxar.

Ele lhe telefonara, pois se metera numa confusão tremenda. Ia ser preso por haver estado numa rave com uma moça em idade de ser sua filha. Fora intimado a explicar o que acontecera depois que saira com ela da tal festa.

Ela ficara abismada e não podia imaginá-lo numa situação assim tola e absurda, pois
ele não era um jovenzinho sem noção de nada. Quando ele pedira que ela falasse a seu favor, ela sentiu-se disposta a isso, porque gostava dele de fato. 

Então ele disse que ela teria que mentir ao delegado, afirmando que haviam estado juntos na noite anterior - o que representaria um álibi vital para si. Todo espírito ético dela se rebelara ante a idéia de uma tal mentira, ainda que
estivesse muito condoída pelo amigo. Nesse intante, algo desconfortável se remexera no fundo de sua memória. E ela se lembrou:

Uma vez, aos 10 anos, perdera a oportunidade de ajudar um amiguinho, e nunca esquecera aquele olhar acusador e magoado que o garoto lhe lançara. Quando, depois de pesar
todos os fatos, ela afinal se decidira a fazer algo, o tempo da reação passara, o menino havia sido severamente advertido e depois castigado - e ela nunca soubera se fora merecido ou não.

Agora ela sabia que convivera com esse fato desagradável no fundo de si, sempre se recriminando por ser indecisa e possuir uma sistemática mania de correção - como se isso, de um modo distorcido, fosse equivocado. Desenvolvera um complexo de culpa, achando-se responsável pela atitude dos outros.
....
O  doce olhar de seu amigo estava agora implorante e ansioso, fixo nela, confiante da amizade leal e desarmada dela. Sua vida poderia tomar um rumo bastante ruim e ele mergulhar num opróbrio público - perdendo respeito e o bom emprego. Ela o confortou como pode, até que a soma dos olhares, o do menino e do amigo, misturou-se em sua confusão interior - e ela chorou.

Deixou-o na delegacia e foi visitar a moça no hospital. O que ela ali viu gritou em sua carne como se ela mesma estivesse deitada naquele leito de dor e de indignação. A moça estava machucada e tomara lavagens para sair de sua overdose. Um trapo humano.

Dia seguinte, logo cedo, após a noite insone - a mais longa de sua vida - ela voltou à delegacia, olhou dentro daqueles olhos,
os olhos queridos de seu amigo - com a limpidez e a correção com que sempre o fazia -, e disse-lhe apenas:
"Não".


Silvia Regina Costa Lima
28 de julho de 2008


SILVIA REGINA COSTA LIMA
Enviado por SILVIA REGINA COSTA LIMA em 02/08/2008
Alterado em 06/12/2008
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