SILVIA REGINA LIMA
Escrevo e me transporto para dentro daquilo que escrevi.
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Textos

Carta à minha irmã

(Nara)

O tempo vai passando e a gente ficando cada vez mais sozinho,  mais atordoado com as perdas que vamos acumulando - são amigos que partem, conhecidos, parentes, artistas queridos, escritores, laços que se rompem, animais insubstituíveis que morrem - e mesmo alguns objetos de estimação que se quebram ou se perdem, lugares lindos que se estragam...

Acredito que algumas pessoas endureçam seus corações para tudo isto, talvez se
protegendo de emoções dolorosas – num estranho dispositivo de defesa da mente -, mas eu nasci com defeito de fabricação, e vou ficando sempre mais vulnerável ou tola, quem sabe ... e sofro, ad infinitum, as peças que a vida me prega.

É difícil para as pessoas entenderem, especialmente para os homens, como o
ser feminino pode se magoar tão fundamente ... porisso acredito que a maioria das mulheres, conforme envelhecem, se tornam mais radicais em seus sentimentos e os homens mais conservadores na sua necessidade de prover o lar, de lutar pelo sustento, de manter uma certa ordem emocional, de fazer algumas concessões na sua racionalidade e no seu pé no chão - pois foram educados para conter sua sensibilidade, diferentemente das mulheres, sonhadoras e românticas.

Assim, quando colocamos para fora nossa DOR, eles se sentem imediatamente ameaçados naquilo que consideram a 'linha do equilíbrio' e querem, a todo custo, que a gente volte ao que consideram "normalidade". E, por deus! , eles não nos concedem o tempo da dor, o tempo das lágrimas, o tempo da indignação, da revolta e até da descrença (não se assuste, mas é assim mesmo)

Isto também acontece muito com os otimistas espiritas (e outros) de plantão, não acha? Exemplo: Alguém com uma doença incurável é imediatamente convidada a
aceitar o inaceitável sem murmurar, sem se queixar ou perguntar POR QUE?  Outra pessoa que sofra com filho desajustado ou marido bêbado, é convidada a se resignar por ser o seu karma – essa grande desculpa para tudo!

Àquela que perde o precioso emprego -
seu sustento e dignidade - é dito que Deus proverá, que ela deve ser otimista, ainda que a coitada tente explicar, desesperadamente, que quase passa fome com seus filhos e não sabe mais o que fazer. Todos a enchem de boas palavras de otimismo e tapinhas nas costas, e depois retornam a seus lares aquecidos lavando as mãos,  achando que já cumpriram seu dever humanitário - mas oram intimamente para que não lhes aconteça o mesmo... Depois, esquecem logo o caso para não descer seu astral...

E, pedem àquele que perdeu o ser mais amado, que não chore para não molestar o espírito com uma
dor inconveniente (!), excessiva - que a todos constrange,
Quanto já ouvi este discurso espírita sempre PRONTO, esta fórmula mágica e ineficaz de consolar  dizendo-me: “Não chore que você atrapalha o pobre espírito”. 
Pobre é de quem fica aqui na Terra, isto sim!

Pois afinal, como engolir todas estas dores que doem, doem, sem as externar, sem por para fora, sem as extirpar da carne e do espírito? Para que nos deram olhos que choram, se era para ficarem secos? E para que nos deram sentimentos - e pior, inteligência -, se era para TUDO aceitar sem nunca questionar a divindade? E, para que o livre arbítrio se nunca, na verdade, nunca posso escolher?

Quero gritar e gritar o que me machuca, porque senão vou implodir ou ficar cheia de 'berebas' - e, se meu corpo reage desta forma contra a repressão, deve ser porque ela não é boa para ele. Quero chorar ou ficar muda, quieta, mole, sem vontade, o tempo que for preciso, o tempo que for preciso para EU mudar a marcha e prosseguir – mesmo que jamais vá esquecer.

No momento, eu que já estava meio esvaziada espiritualmente, meio à deriva com este negócio todo de religião, neste momento estou explodindo de indignação e não quero que me acalmem -
eu me permito não querer -, pois me tiraram meu companheiro diário, tão pacífico e carinhoso - meu Ban (Bandit), que só faltava falar - e que me amava muito! Me deixaram ainda mais só do que já sou. Porque? Eu não me canso de perguntar. E não é um "POR QUE?" calminho não, é um por que? muito, muito zangado – é uma ira santa - como se fosse uma traição particular dos deuses para comigo!

É como se eu tivesse que estar só mesmo (e não é que eu não goste de sossego e privacidade - gosto sim) -, mas fisicamente só. É como se eu não devesse gostar muito de ninguém ou de nada, pois SEMPRE eles se irão precocemente de mim! Sempre me aconteceu assim com coisas, pessoas, animais, objetos, artistas...

E ainda assim, mulher mais madura hoje, eu não desenvolvi nenhuma defesa contra isto, infelizmente, e, na verdade, fico imensamente cansada que as pessoas me impeçam de ter o tempo de sofrer, de chorar, de lamentar, de ficar indignada mesmo  e colocar cinzas na cabeça - rasgando a roupa e o coração!

Acho uma falta de COMPAIXÃO, se que saber, pois a dor de cada um precisa ser respeitada e o tempo de cada um também. Tudo o mais são palavras e a verdade é que a dor alheia nos incomoda, constrange e aflige. Queremos apenas conviver com risos tolos e falsas alegrias; o resto é muito chato, eu sei! E ainda nos dizemos FRATERNOS!...

Você me dirá, então, que foi para aprendermos a lidar com a morte, com as frustrações, com a violência e coisa e tal. Mas ninguém lucrou com esta perda, ninguém aqui entendeu NADA e nada ficou, só a dor e esta mágoa, este silêncio, este hiato - pois a morte nós já vemos todos os dias, de todas as formas, em qualquer lugar.

Não me consolo, mesmo que não queira incomodar os demais com minhas lágrimas e penso que ele, meu Bandit, vai chegar correndo e latindo como acontece em alguns filmes – este cãozinho amado como um bebe grande! Com tantos animais sem dono, famintos e sem lar, por que o meu? Por que os deuses resolveram levar logo o meu?
Nunca saberei.



Um dia vou ficar melhor.... entanto, depois não me cobrem:
"
Mulher, porque  ficaste meio amarga"?!


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Silvia Regina Costa Lima
Vinhedo, 31 de Janeiro de 1997









Bem o disse esse irmão de minha alma, Fernando Pessoa:

Quero dos deuses só que me não lembrem,
Serei livre – sem dita nem desdita,

Como o vento que é a vida
Do ar que não é nada.
O ódio e o amor iguais nos buscam; ambos
Cada um com seu modo, nos oprimem.
A quem deuses concedem
Nada, tem liberdade.
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Ps: Eu também sou Espiritualista ... ecumênica, na verdade.
Um pouco de tudo..







E sobre o mesmo assunto:

CARTA A UM AMIGO ESPIRITUAL
(sobre a morte de meu cãozinho Bandit)
http://www.recantodasletras.com.br/cartas/800017

*****

e um poema


BANDIT (Fauve) - (para meu cãozinho Ban)

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/801702
SILVIA REGINA COSTA LIMA
Enviado por SILVIA REGINA COSTA LIMA em 12/02/2008
Alterado em 14/12/2014
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