SILVIA REGINA LIMA
Escrevo e me transporto para dentro daquilo que escrevi.
Capa Meu Diário Textos Áudios E-books Fotos Perfil Livros à Venda Prêmios Livro de Visitas Contato Links
Textos
MiniConto do Cotidiano 

João nasceu na chegada da primavera. Pais pobres, três irmãos magrelos mas saudáveis e espertos. Não fosse o veneno de uma cobra, teria uma irmã. É criança não planejada nem desejada. Aliás, nenhuma delas foi festejada.

Teresa, nome dado em homenagem à santa de devoção da mãe, engravida como um animal. Tempo de gerar mais uma boca para alimentar, o tempo de amamentar e lá vem um novo rebento. Não entende muito bem como isso acontece. Casada com Vicente, mais velho que ela, também não compreende o gosto que o marido tem em deitar-se sobre ela, penetrá-la com uma força que a machuca para depois jogar-se de lado; cansado, silencioso, satisfeito com uma coisa que ela não deseja e não lhe dá nenhum prazer. Disseram-lhe que isso era tão bom. Bom? Não para ela. Teresa só consente porque foi ensinado pela mãe que deveria fazer as vontades do marido, caso contrário ele se mete com alguma sirigaita.

Jamais foi despertada para o prazer do sexo, embora seja uma dessas mulheres destinadas á procriação – escolhida a dedo pela Natureza. Fêmea eleita para manter a continuidade da espécie, apesar da vida precária que leva. Nasceu bonita, cresceu bonita e quando seus seios começaram a aumentar e seu corpo tomar formas mais arredondadas torna-se motivo de desejo dos homens da região. No seu andar há um gingado natural; seus quadris largos balançam de modo sensual – uma coisa não aprendida por imitação, é coisa vinda de sua natureza de fêmea destinada à procriação. A boca vermelha, ao sorrir, mostra duas fileiras de dentes bons, brancos. As moças do grupo não tiveram na Natureza mãe gentil. Muitas não têm formas, são retas, magras, a arcada dentária apresenta dentes tortos que logo ficam cariados. Dentista? Quando dói, um bochecho com pinga faz a dor passar. Ao lado delas Teresa até parece moça da cidade, uma daquelas que se podem ver estampadas nas revistas velhas, trazidas sabe-se lá quando.

Médico? Coisa difícil. Se alguém fica doente a consulta é feita com D. Joana, conhecida nas redondezas como Joana Parteira. Mulher formada na prática. Conhece a força das ervas, aprendeu o ofício com a mãe – que aprendeu com a mãe. Gerações de parteiras-práticas. Dizem que faz encantamentos, mexe com magia, conhece mandinga das boas pra moça solteira arrumar marido, mesmo que por lá não haja homem suficiente para o grande número de mulheres solteiras. Por suas mãos vieram ao mundo tantas crianças que até perdeu as contas de quantas foram.

O lugar fica distante da civilização. Um vilarejo que cresceu nas terras de um certo Coronel Joaquim Barros. Homem muito rico, senhor de muitas fazendas. A gente do povoado só o conhece de nome. Nunca apareceu por lá. Mantém seus empregados em eterna dívida com seus armazéns. Foram chegando, trazendo na pouca bagagem esperança, ilusão. Assentavam terra, adaptavam-se. A vida, passando sem emoções, esvaziava-lhes o ser. Teresa é cria da terra. Vicente, não. Chegou com pai e mãe; vinham trabalhar na lavoura. Não eram lavradores, a vida os expulsara da cidade: falta de qualificação, desemprego, a necessidade de pôr comida no estômago, um teto para abrigá-los. O posto conseguido numa dessas filas de empregos. A família chegou numa tarde de sol quente. Dia abafado. Modorrento. Vicente conhecia alguma coisa dos mistérios do sexo. Aprendeu com os colegas da escola. Estava no final da adolescência, os hormônios ainda em plena ebulição. Teresa foi alvo de seus desejos, também a primeira mulher com quem se deito. Foi no meio do mato, às pressas; o medo de serem descobertos. Nove meses depois a moça deus à luz seu primeiro filho. Casaram-se logo que se soube da gravidez. Ainda muito jovem, Teresa não podia ficar falada; o bebê sem um pai de papel passado. Não havia amor. Não há amor. Para ele, uma família a ser sustentada; para ela, um marido para não morrer solteirona. Seguiram-se as outras crias, bocas que pedem comida, corpos que precisam de roupas. Por mal dos pecados todas vingaram; João, também. O sol a pino, as mãos hábeis de D. Joana. Não chorou. Abriu os olhos para logo fechá-los. Quieto. Sem medo, sem desconforto. Nasceu consciente de sua sorte.

Lá fora a Primavera vai formando novos casais de bichos, é a Natureza que segue seu curso. Clama por continuidade.




Conto escrito pelo Teacher Gil 
(texto revisado e editado por mim)
e publicado no livro Mosaico Literário, Contos e Crônicas








Teacher,

Trouxe seu conto intenso e bem escrito,
este que ajudei vc a construir, sobre
o cotidiano de tantos lugares (infelizmente)
para que ele fique junto aos meus, pois
merece ser lido por muitas pessoas, abrindo
os olhos de todos para a realidade da mulher
brasileira, ainda tão despreparada para muitas
coisas e desrespeitada em sua condição feminina.


Um beijo por nossa bela parceria

Gil
 
 
Bonsoir ma reine,

foi tão bom você ter colocado o nosso conto aqui,
afinal ele não teria nascido se não fosse seu incentivo.
Pois é, como vi pelos comentários, existem tantas
Teresas por aí. Mulheres parideiras que muitas vezes
nem sabem por que é que estão grávidas de novo
(digo isso porque trabalho com pessoas que muitas
vezes não têm nem noção do próprio corpo).
É a Natureza clamando por continuidade mesmo.

Beijos ma belle.

Gil

 
Pois é, esqueci de dizer-lhe, eu havia escolhido
essa foto. Sintonia boa mesmo.

Encore des bisous
 
 
SILVIA REGINA COSTA LIMA
Enviado por SILVIA REGINA COSTA LIMA em 14/11/2010
Alterado em 02/05/2014
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.
Comentários